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1 de fevereiro de 2011

Brasil país do futebol e da Ariadna.

Quem já escutou as seguintes declarações?
Brasil o país da alegria!
O país do futebol!
São Paulo é a locomotiva do Brasil!
São Paulo, cidade cosmopolita.
Porto Alegre, não tem lugar melhor!

O Brasil realmente é um país de contrastes. Sei, estou chovendo no molhado usando mais uma das definições notórias que vira e mexe, estão nos lábios de todo mundo... tais como, o Brasil é o país do futuro!, ou declarações como: “... não respeitamos os idosos...” ou de que a nossa educação é precária... entre tantas outras.

Existe também o contraponto positivo, somos o pais da alegria, da cordialidade, do samba e da caipirinha, do futebol arte...

Então sugiro que ampliemos nosso olhar pra percebermos que entre estes dois lados, o positivo e o negativo existe um espaço em que podemos usar nosso poder analítico e ampliar nossas constatações. Pra isso, vou escolher o contraste do preconceito. Lembrando: somos a país da alegria, amistoso por natureza.

Ta! Sei que esse texto parece a chatice política de sempre. Não vou garantir que não o é mas vou tentar fugir disso.

O assunto “preconceito” especificamente, nasceu como post com a eliminação do transexual do Big Brother Brasil 11, Ariadna Thalia e de sua meteórica permanência no programa. Curto período, longa repercussão. Onde haviam pessoas reunidas lá estavam elas falando da trans...Velórios, festas, bares, restaurantes, todos falavam sobre a transexual do BBB.

E as opiniões, geralmente, eram negativas e desqualificavam a moça e a quem tivesse cruzado seu caminho sexual/afetivo.

Veja bem, não estou criticando as brincadeiras, não. Isso é normal. Proponho uma ampliação da visão.
Diante de tanta repercussão negativa sobre o assunto me dei a liberdade de analisar que tipo de sentimento é esse. O que nos leva a repelir Ariadna?
Porque que ainda em 2011 temos tantos problemas pra aceitar a sexualidade dos outros?

Deve ser pelo mesmo motivo que nos provoca reações (muitas internas e controladas) quando estamos enfrente a pessoas sujas, mulheres liberais, ignorantes, gays, “pobres”, desdentados, negros, anões, etc...

Claro, escolha o que incomoda você na lista acima. E tente entender o que sente.
Agora sugiro que pense em outros problemas urbanos e bem assustadores: bondes (antigas gangues), epidemia de crack, HIV, negros e mulheres que ganham menos, obesos, gagos, cegos, mulheres com jornada dupla, prostituição infantil (famosa pedofilia).

O que você acha dessas coisas? O que você acha dessas pessoas?

Ariadna é apenas a ponta de um gigantesco iceberg que poderia afundar 1000 Titanics. A mobilização por sua eliminação do programa Global desmente e ao mesmo tempo revela o nosso lado negro da força, somos preconceituosos e moralmente restritos. Longe de um inocente aprendiz de Jedi.
Deixamos bem claro: diferentes, estão fora!

Até aqui fica claro que somos um país heterogêneo em assuntos como raça, credo, cor e desejos sexuais. E de que eu estou questionando a nossa famosa receptividade, alegria e tolerância. Ao mesmo tempo em que somo homogêneos em imprimir marcas culturais.
A homogenia cultural é utilizada para balizar-mos, defirnirmos um padrão.
Nesse momento nos transformamos em Fordianos que eliminam tudo o que não segue a regra estabelecida.

Quando falamos de Brasil e de brasileiros geralmente, não nos incluímos no discurso (heterogêneos). È comum escutar: Brasileiro é tudo burro! Brasileiro é desonesto! Brasileiro é corrupto! Esquecemos neste momento de quem representa e manipula as leis e a cultura do Brasil somos todos nós (homogêneos). Nos somos esse todo.

Às vezes é assustador concluir de quem está na interface, na ponta desse processo de interação somos eu, você, seu vizinho, seu pais, seu namorado, sua filha. Somos nós a massa que em sua maioria, compostas por pobres, descendentes (diretos e indiretos) de negros, índios e brancos. A mesma massa que muitas vezes se indigna por considerar-se subjugada e abusada.

Resumindo:

Quem vai a Parada Livre?
Quem se inscreve no programa Minha casa, minha vida?
Quem compra passagens da Gol?

Eu, você e a sociedade brasileira fazemos algumas das coisas relacionadas acima. Quem vota em Ariadna no BBB?

É isso ai, é o Brasil das massas, o novo Brasil emergente. Nós, modernos e felizes brasileiros. Lembre-se, formado ainda por pobres e mestiços. São os mesmos que se candidatam e precisam de ajuda dos benefícios governamentais. Ou seja, pessoas em busca de oportunidade, de uma chance de ter uma vida melhor.
Lindo né?
Mas é o mesmo Brasil onde se espancam gays em São Paulo, que ligam centenas de vezes para eliminar Ariadna, a transexual.
Não damos a chance que exigimos receber dos outros.

O que Ariadna representa que dá tanto medo?
Nosso cérebro nem pensa na resposta e grita: Fora Ariadna!
Lembre-se, não estou protegendo Ariadna, estou protegendo a tolerância.

Enquanto isso permanecem no BBB homens e mulheres, que na sua maioria, são o supra-sumo da beleza. Estão lá nos mostrando seus belos corpos em um show que desejamos ver. Brigas e discussões, intrigas e complôs e claro muita pegação, ninguém é de ferro e todos os brasileiros gostam de sacanagem!

Será? (uma voz em sua cabeça insistirá que sim!)
Será?
Nada contra o BBB, ele mostra o que queremos ver. E o Brasil disse, não queremos uma trans.

Afirmo convicto:
No fundo somos um bando de preconceituosos.

Somos muito modernos e condescendente no discurso, na prática é cada um no seu quadrado. Na vida real as aplicações das ideias mudam um pouco de figura.
Somos conservadores e de tanto repetir o discurso de que somos o país da tolerância e da alegria, acreditamos nele.
Somos e não somos. Depende da proximidade do “problema” com a nossa porta.
Mãe a
Ariadna quer entrar! Posso deixar?

Pense melhor sobre isso: Brasil, o país da telerância.

Será?

Vou contar duas estórias que figuram o que tento explicar:
Em uma das corridas de sábado parei pra tomar água no parque e um cara de seus trinta e poucos anos, que eu já conhecia de vista, puxou assunto. Ele perguntou se sabia sobre o motim do semi-aberto (tem um ao lado do parque). Respondi que não. Ai, ele emendou o discurso brasileiro médio: tem que matar tudo! (tudo mesmo e não “à todos”, como deveria ser). Continuou falando que bandido era tudo um bando de vagabundos, que tinham que se ferrar e sabiam que estavam descumprindo a lei e que então, tinham que apodrecer na cadeia... Eu não fiquei impressionado porque esse discurso é externado quase o tempo todo, entre amigos, lugares públicos e na universidade.

Claro, tentei colocar outro ponto de vista. Disse que realmente quem não cumpria a lei devia ser punido com a lei. Nem mais, nem menos. Disse também que a função do sistema penal é o pagamento da dívida social provocada pelo crime e da recuperação do criminoso através da educação, profissionalização e da reintrodução na sociedade....

E o cara começou a ficar bravo (sempre ficam). Aumento ainda mais a voz e proclamava a pena de morte... Eu desisti, vi que o pensamento nele estava cristalizado e que não ouviria uma só palavra do que dizia.

Na última tentativa sugeri um exercício: imagina se um irmão teu cometesse um crime, fosse preso. E você, conhecendo ele de verdade, percebesse nele um profundo arrependimento. E se percebesse que de alguma forma ele se recuperou? Ele mereceria o teu perdão? Deveria ser executado?
Não tive resposta apenas grunhos, caras e bocas de desaprovação; Desisti.
Então, qual foi a minha surpresa quando ele tira do bolso, sem nenhuma cerimônia um grande cigarro de maconha e acende na minha frente.
Perguntei: A maconha é legalizada? Transportar esse “charuto” de maconha não é crime? Ele sorriu malicioso e disse que no “caso dele” é diferente, que não era um traficante só fuma um de vez enquando.
Então respondi: para a lei, isso crime (contravenção), nem mais, nem menos. Pra lei não interessa como você usa. E tem mais, você está em um lugar público. E sem nenhum receio aconselhei: tente ser um pouco mais flexível, porque para quem não tolera drogas pouco importará a sua opinião sobre ela ou seu autoconceito de legalidade. E para e lei, todos somos iguais, você, eu ou o bandido do semi-aberto.
Essa estória ilustra que nosso discurso é bem distante de nossas práticas. E que mesmo alguém que pratica algo "errado" promulga a severidade extrema aos que julga incorretos.

É curioso ou bizarro?
Será que ele votou na eliminação da Ariadna?

A outra estória ouvi em um almoço de família, na casa de uma amiga.
Reunidos na cozinha de uma casa simples, mas muito confortável. Uma casa bem equipada, grande e sem dificuldades financeiras.

Vira e mexe e o assunto foi para a política, assunto o qual evito me posicionar (isso é pra outro post). O discurso era sobre cotas e outros benefícios governamentais que estão na moda. Bolsa família, PROUNI, Minha casa minha vida, etc...

Vi que o discurso ali era bem homogêneo (todos apreciam em sintonia) e falavam sobre as maravilhas do governo do presidente Lula. Eis que na distração mental de uma das participantes vem a tona o que realmente achava do programa Minha casa minha vida. Falava sobre as dezenas de novos condomínios e o fim de algumas vilas e sobre o assentamento das famílias...

E nesse ponto ela solta a seguinte pergunta:
E a gente que é trabalhador? A gente devia estar na frente da fila, a gente é que tem que ser beneficiado!!!! A gente paga imposto!
Eu totalmente em desacordo com o discurso: larguei a minha opinião, de forma suave, claro:
A senhora já tem uma bela casa, emprego, suas duas filhas estão na universidade com bolsas do governo federal, estudam na PUC. A senhora está sendo beneficiada pelas políticas do governo...
Reação: uma cara de desacordo e um: “a gente merece mais!”
Não continuei a discussão e sorri.

“A gente merece mais!” Essa frase ficou na minha cabeça...
Nisso eu concordo! Não concordo é com o fato de acreditar que os outros é que merecem menos. Pra o fato de eu ganhar algo, alguém tem que perde-lo.
Sentia naquele discurso um profundo preconceito contra pobres, com o estigma de que pobre é sujo, relaxado, inferior. Ela mora na Restinga, zona metropolitana reconhecida como pobre.

É curioso ou bizarro?
Será que ela votou na eliminação da Ariadna?

Ela é brasileira, gaúcha e de alguma forma nos representa, representa nossa “cultura”. Isso me dá certo desânimo, mas é fato. Essa coisa do mais e do menos sempre me incomodou muito. Parece que dentro da mente existe um mecanismo de anulação que trabalha na base do tudo ou nada, é pra cima ou pra baixo, grêmio ou inter, futebol ou natação é homem ou é mulher.
Anulamos os meios, anulamos a realidade de todos nós.
E tentando anular o seu pensamento de que é assim mesmo, é cultura... Pense que estamos em 2011, temos computadores, internet, universidades. Temos condição de atualizar nossa “cultura”. Podemos mudar.

Será que queremos mudar?

No fundo todas estas regras culturais e preconceitos são inúteis.
Eu, você, seu vizinho e Ariadna continuaremos com nossas práticas, das mais convencionais às de trazer rubor a mais pura freira. E te pergunto: o que vai mudar?
Nada muda, mas mesmo assim faremos força pra “colocar as pessoas em seus devidos lugares”.
Você está no “lugar certo”?
A Ariadna também deve ter seus preconceitos e discursos cristalizados, eu tenho um monte deles. Mas o que sugiro é que reflitamos um pouco mais sobre o país do futuro, da alegria e da descontração e sobre a tolerância.

Enquanto pensamos nisso tudo, garotos furiosos com seus cabelos raspados espancam gays. Pense, as vítimas poderiam ser um amigo, irmão, sobrinho...
Se assim fosse, qual seria seu posicionamento?

Enquanto isso, vivo perto de Porto Alegre, o melhor lugar do mundo e estou no país onde está São Paulo, a maior cidade do Brasil, locomotiva econômica, a capital cosmopolita.

Será?
Quem votou na Ariadna?